quarta-feira, 26 de maio de 2010

FIZ 18 ANOS, ONDE ESTÁ O CARRO?

Atingir a maioridade deve ser como ter boas notas - são coisas esperadas. Não significa oferecer carta de condução e carro. Muito Menos um modelo a estrear.
Durante duas semanas, Francisca Rogado ainda pensou que ia ter de se contentar com um Fiat 500 dos novos.
Depois de ter escolhido o modelo, a cor o tom dos estofos e os extras, a mãe e o padastro disseram-lhe que afinal não lhe podiam comprar um Mini One. Era caro demais, sobretudo para uma miúda de 17 anos, ainda sem carta de condução e a meio do 12ºano. Ficou triste mas não fez birra. Só lhe ficou bem: os pais estavam a tentar arreliá-la, para a surpresa ser maior.

Recebeu a chave do Mini no dia em que fez 18 anos. Na manhã seguinte passou no exame de código. Dois meses e meio depois, assim que soube que tinha sido aprovada na condução, pôs-se a caminho do stand. De guia provisória no bolso e com o padastro ao lado conduziu de regresso a casa, na zona de Sete Rios, em Lisboa. Nunca mais andou a pé. “Moro perto do colégio, mas vou sempre de carro, para poder ir almoçar a sítios diferentes” justifica.

Num país que tem o terceiro maior parque automóvel da União Europeia e em que só no primeiro trimestre deste ano, já foram vendidos 53.777 veículos ligeiros de passageiros, a maioridade é sinónimo de carro e carta de condução. Assim que fazem 18 anos ou antes disso (as inscrições para as aulas de condução são permitidas logo aos 17 anos e meio), os adolescentes enchem os pais com pedidos. Até aqui tudo normal. O problema alerta a psicóloga Sofia Nunes da Silva, do Hospital de Santa Maria, é a maior parte ceder aos caprichos dos filhos.

“Nem todos os miúdos de 18 anos tem maturidade para ter um carro – que pode ser uma arma – nas mãos. Os pais devem analisar o comportamento dos filhos a vários níveis antes de lhes darem um presente que implica tanta responsabilidade”, avisa a especialista. Apesar de defender que uma decisão do género varia de família para família, a psicóloga não tem dúvidas sobre se o primeiro carro deve ser novo ou usado.

“Um miúdo de 18 anos não tem noção do que significa ter um automóvel de 16 mil euros nas mãos. Os carros em segunda mão servem muito bem para quem acabou de aprender a conduzir. É muito importante que passemos aos nossos filhos a noção de que as coisas custam dinheiro e eles não podem ter tudo.”

Sofia Nunes da Silva defende que esta é a única forma de os preparar para as dificuldades. Francisca recebeu um carro não de 16 mas de 20 mil euros, ao fazer 18 anos. Menos de um mês depois, ao entrar num parque de estacionamento, raspou e amolgou uma das portas. “Fui de férias a Londres quando voltei os meus pais já tinham mandado arranjar, são uns queridos.” Não ficou de castigo nem teve de pagar 1 cêntimo à oficina. Erro dos pais, diz Sofia Nunes da Silva. “É importante que os filhos conquistem a sua autonomia e independência, mas esse processo deve ser o mais aproximado possível da realidade, ou seja, feito a partir do próprio esforço e não do dos pais.”



Em Dezembro de 2009, meses depois de ter herdado o carro da mãe, um Fiat Seicento Spor, já com nove anos e em terceira mão, André Oliveira foi dar um passeio junto à praia. Quando voltou, o carro estava preso num tronco de uma árvore. “Não puxou bem o travão de mão. O arranjou custou 1.450 euros”, conta a mãe Ana Valente. “Paguei mil euros, o resto esta a se retirado da mesada dele, que de 100euros passou para 50. Se fizer asneira e perceber que não é castigado nunca vai aprender.”, defende a secretária, que, pelo mesmo motivo, diz que nunca equacionou oferecer um automóvel novo ao filho, como prémio por atingir a maioridade. “Não acho boa estratégia dar um carro novo a alguém que acabou de tirar a carta. Até a carta foi paga com o dinheiro que tinha na conta que abrimos quando nasceu.”

De qualquer modo, e como defende Sofia Nunes da Silva, o facto de se fazer 18 anos não deve sequer ser premiado. E o mesmo serve para as boas notas ou para a entrada na faculdade: “Estas coisas são esperadas, tal como de um adulto se espera que trabalhe. Mesmo que os pais queiram recompensar os filhos, parece-me normal que o façam com um jantar ou com uma festa para os amigos, nunca com um carro novo.”

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